Eu caminhava pela calçada, pressa, calor, fumaça de
escapamento dos carros, gente por todos os lados, vendedores de comidas,
panfleteiros, guardas de trânsito, três moto-taxistas; eu atravessando a rua e
dobrando a esquina, seguindo procurando as sombras da parede que duram até
perto do meio dia, eu de branco e Deus falou comigo. Sua voz ribombou acima e
abaixo dos sons dos passantes, dos vendedores, dos carros, das buzinas, do
vento nas árvores e das paredes que faziam a sombra. Sua voz ecoou pelo universo,
esteve em todos os tempos, assistiu extinções em massa, genocídios e chegou aos
meus ouvidos. Grave, esganiçada – blasfemo, mas me parecia mesmo desafinada - ,
fala minha língua e eu não entendo nenhuma palavra, mas Deus fala com minha
alma e não posso não ouvir, não posso não parar para saber o que deseja de mim.
Então eu paro, abaixo a cabeça e giro mais devagar do que seria normal, porque
eu penso E se não tiver ninguém aqui? E se estou tendo meu primeiro episódio
esquizofrênico? Mas tão certo quanto qualquer coisa pode ser certa, Deus está
lá, a voz é d’Ele. Deus me olha com olhos laços, fundos, olhos em que caberiam
a Via Láctea e sua vizinha Andrômeda, olhos que prantearam o dilúvio e o fogo
em Sodoma, olhos que viram Roma saqueada; esses olhos, sim, dizia, esses olhos
me abarcam também e a eles fito. Deus inclina o pescoço e estende a mão num
gesto suave, misto de quietude, serenidade e elegância. Imaginem agora a
situação a que me encontro em plena Av. Frei Serafim, próximo ao módulo de
saúde, a coletiva, onde encontra-se o colosso Hospital Getúlio Vargas – grande
injustiçado pela desmemoria do povo a quem por bem ou por mal, serviu de ponte
a tantos direitos trabalhistas - , e eis que Deus agora deixa de ser estático,
move-se, e move-se com elegância. Inclino para ouvir melhor, tentar distinguir
qualquer que seja o maná saindo daquelas palavras que certo tempo ordenaram o
nascimento da luz. A contradição, certa vez em minha humilde distração de
filosofia concluí, é congênita da lógica. Pois que este mesmo Deus – aqui o
pronome demonstrativo serve apenas para ilustrar a quem se refere, posto o
costume judaico-cristão conduzir a certas conveniências interpretativas das
mais falaciosas, refiro-me pois ao Deus único de cuja existência não tenho
dúvidas, este cuja voz é objeto desse relato – permite agora que meu
entendimento se alinhe com as palavras proferidas. Deus pede dinheiro pra
comprar um almoço.
Dou-lhe cinco reais, o ano é 2015, para fins de correção
monetária. Respondo obrigado senhor, ao que Ele responde também obrigado.
Abre o sinal, eu atravesso e repito com
certo ar metafísico ou teologia travestida de humildade na glória de tal
momento, Amém.
Abimael Oliveira.
Iniciado não lembro quando, concluído em 08/03/2015.
Iniciado não lembro quando, concluído em 08/03/2015.